domingo, 8 de agosto de 2010

Anda um tolo com pernas que o estranham. Nas entranhas, a embriaguez de quem não sabe onde está, que tudo é relativo e, sem referências, aquilo que se pode calcular é que se esteja relativamente só neste mundo que roda, porque roda o mundo?, para que possamos andar para a frente e estar sempre no mesmo sítio, que é o fazem os tolos, este em particular acabou de parar. Onde estás?, Quem?, Quem quer que seja, Então não sou eu, que eu não sou senão o delírio de um tolo. Chora o tolo, que até esses têm direito a chorar quando percebem que estão sozinhos, a sorte é que não é preciso ser-se um entendido para se perceber isso mesmo que se esteja num rua cheia de barulhos e encontrões, sorte porque não teria ninguém que o entendesse e, fosse como fosse, um tolo nunca foi um entendido. Chora e persegue desesperadamente as sombras da rua, fosse ao menos uma sombra e nunca sentiria o abandono, morria logo que alguém apagasse a luz e pronto. Onde estás? Onde estou eu? Leva-me a casa, meu amor, que minha nunca foste mas nunca sequer apareceste para protestar.

Fala-me de mim. Fala-me de como sabe pelo meio de danças de rosas e diamantes que riem uma sinfonia mágica, esquece-te só de me contar que me rasgo nos picos e tremo ao toque frio e ouço tudo como gritos de demónios, que acaba um homem por sentir-se uma pessoa, se esquecer que não consegue. Ama-me e mente-me porque me amas. Se me amas, cega-me, amordaça-me e mergulha-me em vinho quente, sê como são os sonhos, mas sempre. E não deixes nunca de me iludir, droga-me continuamente com a tua voz de sopro ao ouvido e não respires até que eu suspire pela última vez. Aí, lembra-te de mim como me contaste e chora-me com vontade.

Miguel de Miguel - "Prerrogação de uma carta sem destino"

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