segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Dulcineia


Amor?
Oh, o amor é uma droga potente. Pega numa coisa completamente sã e transforma-a num bicho-de-sete-cabeças, tão subtilmente que a maior parte das vezes é só por isso que se dá por ele. Senão vejamos que há uma pessoa completamente normal, de carne e osso, de rija e boa saúde, isto antes de nos apaixonarmos por ela.

Então lá vem o amor, com poses de borboleta, como a traça ou o caruncho fragiliza o objecto, digamos objecto da paixão, de camponesa trigueira a princesinha de cristal, partindo-se a cada segundo com os nossos imperfeitos olhares, com a própria ânsia no nosso pensamento, de tal ordem que, de quanto se faz, tudo é errado e exagerado, tudo faz sufocar ou esquecer, na sensação de vitimização pela impropriedade própria dos homens quando confrontados com os anjos, e eis que se devota o incréu a voos flutuantes de etéreas contemplações entre luas brilhantes de cetins azul-céu, sorrisos dengosos e beijos demorados.

Lá vem o amor jovem, e como pousa bem, como fica bem nas palavras e nos olhos, como é boa esta dor miudinha de quando não se sabe se vai passar e olhar para nós.
Como comove, quando cresce e ocupa espaço que faz brotar lágrimas e lamentos.

"Encomendo-te ao papel como se te traçasse no meu destino, sofregamente e impotentemente. Soubesse eu desenhar, desenhava-te só com a mente, para só eu te ver e mais ninguém, como se me vingasse das obscuras lembranças de dias então idos de te não beber. Soubesse eu cantar, cantava com a tua voz doce e terna, para só eu te ouvir e mais ninguém, para fechar os olhos e ser engolido no aconchego da tua voz. E tocar-te… soubesse eu o texto da tua pele, tecia o mundo inteiro só para mim, refugiava-me na tua pele de veludo e morria feliz. Soubesse eu o teu cheiro fresco de Primavera no campo, espalhava-o pelas flores nos prados e pelos alecrins das montanhas e pelos ventos d’aquém e d’além, para que não mais tivesse que cheirar outro que não o teu, refrigério dos meus olhos, sorriso de lua enamorada, fim das minhas palavras…

O teu nome é o nome das minhas inanições, porque só tu és a minha saciedade, o teu corpo é a minha alma e a tua alma é o meu céu, o teu verbo o meu mandamento e o teu silêncio o meu inferno.

E beijar-te… explodir um beijo na carnura da tua boca, abraçar-te com o corpo inteiro e saber que nunca mais vais embora, dormir com os deuses na tua cama e sonhar de olhos abertos, sem saber nem querer saber, na anestesia da tua providência. Ser íntimo de ti como és íntima de mim e perder-me na delícia dos teus labirintos irreversíveis e inenarráveis de édenes e nirvanas, onde não acabas e não vais embora nunca mais. E, se fosses, fosse eu também contigo, fosse eu contigo para onde fosses, descesse eu contigo às cavernas escuras e fosses tu a minha luz, meu pedaço de sol, meu sol inteiro. Minha lua triste."

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Mensagem ao Professor Marcos Bagno

 Face à publicação deste animal no seu site, senti a necessidade de responder por e-mail. Façam o mesmo.
bagno.marcos@gmail.com
http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=364
"Caro Professor Marcos Bagno,

Venho por este meio informá-lo da minha perplexidade em relação às suas publicações, nomeadamente "Bobagens sobre o Acordo ortográfico".

Esclarecendo as razões da estupefacção que senti quando me deparei com tal publicação:

Portugal é um país grandioso a atravessar um mau momento. Vir falar de panoramas políticos e de "Deixar os Portugais morrerem à míngua..." como justificação para o seu ponto de vista não só denota pequenez de espírito como ignorância e, atrevo-me, uma falta de discernimento muito característica de que não sabe quando estar calado.
E no que à língua diz respeito, porque é isso que aqui se discute, penso que concordará comigo acerca das raízes históricas do Português de Portugal e do Português do Brasil, em como foram os Portugueses que ensinaram a língua aos Brasileiros e, se estes a modificaram ao seu gosto, também aqueles, o que não significará Nunca que ela se tenha tornado propriedade do país aprendiz, nem sequer que este tenha algum tipo de voto na matéria, e muito menos que venha um sujeito mais ou menos desimportante na sociedade (porque eu não o vou confundir com o resto dos Brasileiros) arrogar algum direito sobre uma língua que tinha o dever de ter preservado.

Mas também não é isso que está em causa, porque, como diz o ditado, "Cada cabeça, sua sentença", e para isso é que existe a democracia que, bem ou mal, nos vai levando.

Não, meu caro, o que me intrigou, depois indignou e depois enfureceu ao ponto de me fazer dar ao trabalho de o contactar, é que a publicação tem erros graves - e esses, duvido que estejam previstos no AO que, confesso, não li na íntegra, mais por desprezo que por falta de tempo.

Assim, tomo nos meus ombros a árdua tarefa de o corrigir:

"Mas não existe lei que uniformize os modos de falar, porque isso é impossível, tanto quanto é impossível uniformizar a cor da pele, dos cabelos ou dos olhos das pessoas – falar faz parte da nossa configuração biológica." - Esta frase contém um erro científico que passo a elucidar: A fala é uma função que engloba mecanismos motores, sensitivos e sensoriais. Se, até certo ponto, a maneira como pronunciamos os vocábulos depende de estímulos neurológicos centrais, na ausência de patologia neurológica a correcção da fala - seja pronunciação, sintaxe, léxico, semântica, etc. - depende inteiramente do processo cognitivo. Simplificando, na ausência de défice neurológico, quem aprende a falar bem, fala bem.

"E é também um quase nazismo querer que todas as pessoas falem de um modo uniforme, considerado o único “certo”, só porque a classe alta, minoritária e branca fala assim." - Bravo!, conseguiu elevar a discussão a um nível totalmente diferente. Só é pena que ninguém esteja a dizer que os Brasileiros tenham que falar ou escrever como os Portugueses. O Brasil já não é uma colónia, a independência existe e, graças a deus, também a liberdade de expressão. A questão é com os governantes que querem uniformizar a língua e obrigar-me, a mim que sei escrever português de acordo com a regras actuais, a escrever de acordo com alguém que não escreve. Vamos então, no seguimento do seu exemplo, a mais um exemplo absurdo - acha que, como é irrepreensível e inofensivo ser homossexual, ainda que fuja à regra, devemos todos ser privados do direito à heterossexualidade? Pois...

"Registrar" não é uma palavra. Talvez quisesse dizer "Registar". Ou também está previsto no AO que todos temos que escrever assim? Das duas, uma: se não está, alguém que tão acerrimamente o defende deveria emendar esse erro. Se está, então gostaria que me explicasse quais os "critérios históricos, políticos, culturais, de classe social" em que se baseia essa alteração.

Toda a "Bobagem nº3": estou certo de que alguém tão inteligente como você não necessitaria de descer tão baixo e pegar numa mesquinhez semântica para refutar um argumento que, confesso, é algo inválido.

"Bobagem nº 4": cá está. E concordo consigo em tudo, excepto na pequenez que atribui a Portugal, denotando-se uma falta de respeito imensa de que deveria ter vergonha. O problema é que Portugal não tem que abdicar da sua língua em prol da relevância de Brasil no panorama económico (e não se escreve "econômico", está errado). Se o Brasil quer relevância, adopte o Brasileiro como língua oficial, porque eu não vou meter viola nenhuma no saco quando alguém vem desmerecer na minha Pátria, seja para o que for e muito menos para ter a audácia de me pedir o Favor de abdicar da minha Língua.

A frase:

"Portugal (...) se recusa a ver que quem lidera a lusofonia, hoje, somos nós."

 
incorre num grave erro sintáctico. O correcto seria "Portugal (...)recusa-se a ver(...)."


Esclarecidos todos os erros, incorrecções e quejandos pontapés no Português e no senso comum, despeço-me na forte esperança de que a vasta maioria dos Professores e Linguistas brasileiros sejam infinitamente mais sábios e competentes que Vossa Excelência, que se expõe ao ridículo de se deixar corrigir por um estudante universitário Português, e não, Senhor Professor, não de Português, porque eu estudo Medicina (por isso perdoe-me algum erro que venha a encontrar da minha parte). Caso alguma vez esteja de visita ao meu maravilhoso País, rogo-lhe que me contacte para que eu possa, talvez, proporcionar-lhe uma visita guiada pela lindíssima cidade de Lisboa, por entre os "Portugais", ou talvez inscrevê-lo num curso básico de Português para analfabetos funcionais.

Obrigado e passe bem.

Miguel de Miguel"