domingo, 12 de setembro de 2010

Há um pequenino homem que está preso.
De dentro do seu inferno pessoal, grita um insolente braço de ferro à desinspiração que o toma, que toma sem querer, afogado nas piscinas de sangue e bílis e quantas outras coisas escuras e repugnantes lhe queiram lá despejar. Entre vómitos e pinotes, vai aplaudindo um desfile de fantasmas interiores, do interior do espírito, do interior do físico, do interior do seu cérebro, profanadores incontinentes do seu hipocampo. Franze o sobrolho quem o viu dar uma nota a Caronte, com o ar iluminado de um homem com propósito. Manda borda fora o velho e rema mais rápido, apresenta-se ao maligno e cá estamos.
Há um pequenino homem que está preso por uma jaula que não existe cá fora, chorando ajoelhado a apoplexia que o entrava. Temos pena da sua miséria, e é quanto temos, que os tempos não estão para mais, na miséria estamos todos e antes se vão as vacas magras e os cintos apertados ficando os apertos do coração e a magreza de espírito. Isso porque nós, que somos livres, preocupamo-nos com o mundo exterior, com a política e a economia e com o pouco mais que vai sendo do mundo agora, mas ele não, ele está numa prisão invisível e de espelhos, só consegue ver para dentro e enlouquece-se em problemas circulares e petições de princípio. E é quando o homem pequenino se transforma (se promoção ou despromoção, depende da perspectiva) num pequenino cão que ladra ao espelho e persegue a cauda, sozinho entre dejecções e ecos de dejecções mentais. Pobre cobarde.

E, sem percebermos como, acabamos num universo completamente diferente. Ele, ela. Outras pessoas, a relva emaciada por baixo das mãos, o tacto das mãos secas emaciado pelo álcool, olhos por trás de vidros que olham olhos congestionados por trás de uma geleia de etafilcon A, uma energia triste. Está de noite, muito de noite. O ar cheira a erva queimada e a sangria e só ele é que está com cara de enterro porque só ele sabe.
É assim que morre um quase amor,
Espezinhado num miradouro em São Pedro de Alcântara.

Miguel de Miguel
Com 999 perdões pela ausência prolongada e mais um pelo texto algo depressivo.
Para desanuviar, uma pergunta do nosso último anónimo.


Como a resposta vem já tardia, serei breve.
Com toda a certeza, cara Anónima (ou Anónimo homossexual). Prefere 91 ou 96?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Caros e mui prezados leitores, entes cuja materialidade creio que de facto exista - obviamente que, das 1400 visitas que temos aqui no marcador, cerca de 1000 foram refreshes das páginas feitas pelos confrades, no entanto estou em crer que ainda haja algures no mundo e, quiçá, em Portugal, quem visite este tugúrio humilde de louvor à Cerveja - venho neste momento comunicar-vos com uma premência aterrorizante e mesmo algo assustadora...
Mais um ano de sacrifício, lágrimas, suor e muitas e muitas Litrosas se avizinha. Aliás, consigo vê-lo neste momento a contornar a esquina, com aquele jeito vacilante e arrastado que costuma ter quando o vemos a aproximar-se, mais rapidamente, por estranho que pareça, do que estaríamos à espera. Enfim, devaneios. Mas esse ano encontra-se em rota de colisão com os nossos rumos, e pouco ou nada podemos fazer, somente respirar fundo e encará-lo de frente, como um forcado encara um touro - ou seja, embriagado ou sob o efeito de estupefacientes.

De qualquer das formas, qual a razão principal desta verborreia desconexa, que surge das brumas do esforço que é sentar-me diante do computador a uma hora tão tardia? A razão prende-se com o facto deste ser o momento perfeito para desmistificar um assunto que tem assumido proporções bíblicas, um tópico de discussão que tem suscitado celeuma, e que tem sido comentado até por vultos da nobre arte de enviar para a atmosfera bitaites sobre um pouco de tudo sem dizer nada, como o são o Pacheco Pereira ou o Miguel Sousa Tavares (ao pé destas eminências, aqui o vosso confrade não é mais do que um aprendiz jovem e imberbe...).

E de súbito, damos uma canelada sem intenção na questão que nos foi colocada, e que merece desde já uma vénia rasgada, até onde a minha flexibilidade me permite (iria mais longe, mas depois aleijava-me e, parecendo que não, ainda é coisa para doer um bocado), não só pela acuidade histológica da questão, que antecipa (em Setembro) conteúdos que nos vão aborrecer daqui a breves meses, como também pela propriedade filosófica e mesmo, atrevo-me a dizer, metafísica de toda a envolvente da pergunta que se segue:

"a barba do gramaça está à espera de cair?"

Atentem na beleza poética que roça, muito ao de leve - um pouco como a minha barba, que roça muito pouco -, a genialidade, que desce à terra dos mortais e toma forma numa frase interrogativa, que, mesmo concisa, reúne todos os atributos necessários para se tornar uma das grandes citações do século XXI, daquelas que os nossos netos irão sacar à Internet para enfeitarem trabalhos da escola feitos na véspera da entrega. Não acha, inefável Anónimo?

Contudo, à parte do aspecto estilístico acima da média que transpira destas palavras, temos de contestar a total veracidade do facto da minha barba estar à espera de cair. E porquê, questionam-se os intrigados leitores? Porque, em boa verdade, no meu rosto existe uma penugem indefinível que no entanto é real, e que, à falta de melhor palavra, posso chamar barba. Só que este real é relativo, na medida em que é um real frágil e aparentemente inexistente.

Mas vamos dar o benefício da dúvida ao Anónimo, considerando que o que eu possuo na face é, de facto, barba. Isto conduz-nos à grande mensagem deste espírito visionário e transcendente. A barba (a minha, a sua caro Confrade, a de todos os leitores, e, quem sabe, também a do próprio e nunca por demais sublimado Anónimo) é um ente com vontade própria, pensamentos, sentimentos, tormentos e mentos (the freshmaker). E mais. Ela espera, como quem espera um autocarro meia hora atrasado, ou uma operação cirúrgica às hemorróidas. Ela aguarda com paciência o momento em que se precipitará para o chão numa debandada, com um grito de revolta, exacerbando toda a raiva contida durante as semanas em que me tem de aturar.

É esta questão que vem alterar todas as concepções vigentes na sociedade moderna e que achei deveras desafiante e relevante. Daí que tenha perguntado à minha barba o que ela achava. Ela infelizmente não estava, tinha ido às Finanças tratar do IRS, mas mandei-lhe uma mensagem para o telemóvel e ela disse-me que isso eram declarações envenenadas de reles línguas viperinas. Ainda assim, fiquei na dúvida, pois ela anda muito amiga do meu cabelo e da minha orelha esquerda, pelo que também considero plausível uma conspiração que resulte num motim, onde o minímo que se pode esperar serão algumas lojas pilhadas e um ou dois carros queimados.

Portanto, para responder à sua dúvida, julgo que não, mas também não posso ter a certeza, isso poderá ser apenas um vulgar boato, um rumor, um murmúrio sussurrado pelas sombras de mistério que envolvem o carácter da minha barba - boato esse que desde já passo a espalhar, pois com estas coisas mais vale atacar primeiro do que ser atacado (vais ver barba, a mim não me apanhas a dormir...).

Todavia, também eu me interrogo, apesar das minhas dúvidas se restringirem a um nível mais mundano. Como sabia antes deste post, ínclito Anónimo, que há já alguns (valentes...) dias que não dou caça à minha imberbe barba (passe o pleonasmo, e já agora, mais uma Cerveja... [glu...glu...glu...] já está), tendo em conta que há mais de 3 semanas que me encontro num estado de repouso activo, num cantinho, lá no extremo noroeste do País, mais conhecido por Caminha? Você acaba por se elevar, com essa capacidade de vidência e de adivinhação, a um nível de omnisciência só alcançável por Mourinho e Deus (e este último só de vez em quando), o que para mim me leva a repensar tudo o que sei sobre a matéria e as dimensões onde vivemos - aqui está uma discussão que penso que seria muito interessante, especialmente perante um par de Litrosas (Ámen!), não acha insigne Anónimo?


Saudações Cervejeiras
João Gramaça, Grão Mestre e Presidente da Mesa d'A Confraria da Cerveja